O Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) apresentou o seu Relatório da Primavera, referente ao ano de 2017. “Viver em Tempos Incertos. Sustentabilidade e Equidade na Saúde” é o título da edição deste ano, que aborda também as medidas do Programa do Governo no âmbito do medicamento. Resistências antimicrobianas, consumo de anticoagulantes e dispensa de medicamentos oncológicos em farmácias comunitárias são algumas das matérias alvo de análise pelos peritos do OPSS.
O Relatório da Primavera 2017 do OPSS salienta
o elevado consumo de antibióticos em Portugal, designadamente de ciclosporinas e
quinolonas, incentivando “a implementação de estratégias conducentes à melhoria
do padrão de consumo de antibióticos. Entre estas, incluem-se a promoção de
campanhas à população, alertando para os perigos do consumo de antibióticos, bem
como a aplicação de estratégias de restrição do consumo de antibióticos de largo
espectro ou ainda a utilização disseminada de testes rápidos para avaliar o
perfil de suscetibilidade das bactérias, promovendo a utilização de
antibioterapia dirigida”.
No que se refere à utilização e despesa dos
medicamentos anticoagulantes, destaca-se o facto de serem o terceiro grupo
farmacoterapêutico com maior peso na despesa do Serviço Nacional de Saúde (SNS)
com medicamentos (7,7%), representando cerca de 84 milhões de euros, um
crescimento de 27,7% face ao ano anterior.
“A evolução mais recente tem sido no sentido de
privilegiar os novos anticoagulantes orais (NACOs) face aos antivitamínicos K
(AVK), bem como a introdução no mercado do idarucizumab, primeiro agente de
reversão específico para dabigatrano”, dizem os especialistas, que alertam
também para a tendência de crescimento deste mercado com a comparticipação do
edoxabano.
Os autores sugerem uma monitorização da
utilização dos NACOs como primeira escolha na fibrilhação auricular, “ainda que
aplicável apenas a um subgrupo populacional” e chamam a atenção para os
indicadores propostos pela Administração Central do Sistema de Saúde, que
“caminham no sentido contrário, ao identificar a utilização de AVK como
indicador de práticas de prescrição racional, independentemente da indicação,
parecendo adotar uma ótica de minimização de custos em detrimento do
custo-efetividade, que a evidência disponível vem garantindo”.
Na perspetiva de descentralização da dispensa
de terapêuticas antineoplásicas orais para as farmácias comunitárias, como forma
de melhorar o acesso à medicação, o Relatório da Primavera salienta a adesão e a
persistência à terapêutica como aspeto crítico, “área na qual o farmacêutico
comunitário pode ter um papel decisivo. Se, por um lado a efectividade e a
segurança do tratamento dependem largamente da dose administrada, no caso do
tratamento com antineoplásicos orais, o doente tem ainda total decisão sobre
tomar ou não a medicação, fazendo-o em casa, sem supervisão do médico nem da
equipa de enfermagem”, pode ler-se no documento.
Conforme se explica, em Portugal os
antineoplásicos orais são atualmente dispensados através dos Serviços
Farmacêuticos hospitalares com valência oncológica. “No contexto europeu e
norte-americano existem distintos modelos de dispensa destes medicamentos,
designadamente através modelos descentralizados que incluem o hospital, a
farmácia comunitária e as chamadas “farmácias especializadas”, como acontece no
Canadá ou através das farmácias comunitárias, como na Alemanha e França. No
Reino Unido, foi proposto um modelo com três níveis distintos de serviços de
dispensa de antineoplásicos, nos quais as farmácias comunitárias têm um
envolvimento diferente”.
Em face destas experiências, considera-se que
as farmácias comunitárias “poderão ser consideradas na dispensa da medicação
antineoplásica oral, mas não sem antes se fazer uma reflexão aprofundada sobre
as vantagens e desvantagens, barreiras e desafios inerentes ao mesmo.
A oportunidade para reforçar o papel dos
farmacêuticos nesta área é consensual, apesar de ser reconhecida a necessidade
de estudos que clarifiquem este papel, principalmente no ambulatório. “Neste
contexto, parece-nos importante rentabilizar o conhecimento, experiência e
capacidade já instalados, existente nos hospitais, complementando-os com a
integração do farmacêutico comunitário, nomeadamente no que respeita à educação
do doente oncológico, à prevenção e, na área do medicamento: controlo da dor,
controlo da emese, gestão da terapêutica e dispensa de hormonas e
anti-hormonas”, adianta-se.
Além dos aspetos relacionados com a formação
dos farmacêuticos, os autores consideram “necessário assegurar a existência de
mecanismos que permitam a articulação efetiva dos diferentes profissionais de
saúde, a transversalidade da informação clínica e outra relevante, bem como
medidas que assegurem a transição segura do doente entre os diferentes níveis de
cuidados”.
“Da análise efetuada, consideramos que uma
eventual alteração do modelo dispensa dos antineoplásicos orais que venha a
integrar as farmácias comunitárias, pode trazer benefícios em termos de
acessibilidade, mas deve ser feita de uma forma faseada – sequencialmente
identificando, corrigindo e consolidando lacunas – com base na implementação de
projetos-piloto, devidamente avaliados e com indicadores objetivos, que permitam
medir resultados”, refere o relatório.
“No nosso entender, futuras alterações assentam
na premissa da integração de níveis de cuidados de saúde no seguimento do doente
oncológico, reduzindo francamente o número de deslocações do doente ao hospital
e aumentando o papel do médico de família, do farmacêutico comunitário e do
enfermeiro gestor de doente, neste processo”, defendem os autores.
Tendo em conta o perfil de segurança e demais
especificidades dos diferentes antineoplásicos orais, as hormonas e
anti-hormonas são consideradas mais adequados para testar, numa primeira fase, a
alteração do modelo de dispensa, à semelhança do que ocorre em outros países
europeus. “Relativamente aos citotóxicos e imunomodeladores, subsistem algumas
dúvidas quanto ao impacto para o doente decorrente da alteração da dispensa, que
merecem estudos aprofundados”, advertem.
Para estes especialistas, o projecto-piloto de
delegação parcial da dispensa de medicamentos antirretrovíricos nas farmácias,
atualmente em curso, mas ainda sem resultados conhecidos, ”será certamente uma
mais-valia para as decisões futuras, também nesta área”.
Além da política do medicamento, o documento
analisa as medidas propostas no Programa do Governo para a área da Saúde, tais
como “o Programa Nacional de Educação para a Saúde, Literacia e Autocuidados, a
redução das desigualdades no acesso aos cuidados, o reforço do poder do cidadão
(através da liberdade de escolha, envolvimento da comunidade e maior
transparência no desempenho das unidades de cuidados), a expansão dos cuidados
de saúde primários e dos cuidados continuados integrados (retomando a reforma
iniciada em 2006), e outros desafios mais vagos como a melhoria da gestão
hospitalar, o aperfeiçoamento dos recursos humanos e a melhoria da
governação”.
Os autores destacam, neste âmbito, que “foi
possível adotar pequenas medidas de melhoria do SNS, verificando-se, no entanto,
que ficaram aquém dos investimentos necessários para atingir o tal
“revigoramento” e “recuperação” do SNS”.
Numa avaliação global do sistema de saúde
português, por comparação com os restantes países da Organização para o
Crescimento e Desenvolvimento Económico (OCDE), analisam-se alguns indicadores
de saúde das populações, fatores de risco, despesas em saúde, efetividade e
qualidade dos cuidados (mortalidade evitável, consumo de antibióticos,
rastreios), e acesso aos cuidados.
Na vertente financeira, o relatório debruça-se
sobre a sustentabilidade económica do Serviço Nacional de Saúde (SNS),
considerando a eficiência do sistema de saúde, por comparação entre despesas e
resultados em saúde entre Portugal e os países da União Europeia, e as
consequências do endividamento do SNS. De forma mais específica, são focados
temas como as desigualdades na utilização e acesso aos cuidados de saúde e as
tendências recentes na política do medicamento, que representa 19,5% das
despesas em saúde e 23% dos encargos do SNS.
Por fim, o relatório faz ainda uma
caracterização dos “cuidados paliativos em Portugal continental, em termos de
equipas, unidades e camas, tempos de espera, recursos humanos e doentes
tratados”, questão também considerada “premente”, visto que “a maioria dos
óbitos ocorrem nos hospitais, com uma escassa oferta de cuidados paliativos, e
com desrespeito pela vontade e preferências das pessoas”.
O OPSS é uma parceria entre a Escola Nacional
de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa (ENSP), o Centro de Estudos e
Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra (CEISUC), Universidade de
Évora, e a Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
O Relatório da Primavera 2017 é uma obra
patrocinada pelo OPSS pela Associação de Inovação e Desenvolvimento em Saúde
Pública (INODES).
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