A Ordem dos Farmacêuticos (OF) realizou esta semana uma ronda de reuniões com os grupos parlamentares do PCP, PSD e PS, para apresentar o panorama atual do exercício profissional na área das Analises Clínicas. A Ordem está preocupada com o rumo que o setor está a tomar, quer por decisões administrativas que obrigam os utentes a realizar os seus exames nos hospitais e laboratórios do Estado, quer pela integração de unidades privadas locais em operadores de maior dimensão, transformando-as em postos de colheita.
Em cada uma destas reuniões, a bastonária esteve acompanhada
pelo presidente do Conselho do Colégio de Especialidade de Análises Clínicas e
de Genética Humana da OF, Rui Pinto, e pelo diretor técnico do laboratório de
análises clínicas Laclibe, em Beja, Armindo Gonçalves, que testemunhou, na
primeira pessoa, as dificuldades destes pequenos operadores, que durante
décadas assumiram um papel nuclear no acesso dos portugueses aos meios
complementares de diagnóstico, em especial nas regiões do interior.
Na reunião com o grupo parlamentar do PCP, os dirigentes da
OF foram recebidos pela deputada Carla Cruz; no encontro com os responsáveis do
PSD, estiveram os deputados Miguel Santos e Ângela Correia; e o grupo
parlamentar do PS esteve representado pelo deputado António Sales.
A OF destacou nestes encontros as
vantagens de um modelo assente na proximidade ao utente, que não pode ser avaliado
pela distância temporal a uma unidade de colheita, mas antes à entidade
laboratório de Análises Clínicas/Patologia Clínica onde é efetiva a elaboração
prática das determinações analíticas requeridas.
Sem este modelo de organização, adverte
a OF, torna-se previsível a concentração dos meios complementares de
diagnóstico do sector privado em três ou quatro grandes grupos económicos, que disputarão
entre si os exames não comparticipados e aqueles a que a “capacidade instalada
do Estado” não conseguir responder.
O tema da internalização das análises
clínicas ou o encaminhamento dos meios de diagnóstico para os hospitais
públicos em detrimento dos laboratórios privados, esteve também em análise, com
os dirigentes da OF a sublinharem a ameaça real à viabilidade de vários
operadores.
Atualmente, a grande maioria dos
meios complementares de diagnóstico e terapêutica, entre os quais as análises
clínicas (segunda rubrica mais cara, a seguir à diálise), é realizada pelo
setor privado convencionado. Em 2014, por exemplo, cerca de 46 milhões de
análises foram produzidas por laboratórios independentes
No entanto, nos últimos anos têm-se
assistido a uma viragem nesta forma de atuação e um serviço tradicionalmente
prestado por laboratórios privados passou gradualmente a concentrar-se nos
hospitais públicos e centros de saúde, em nome de uma pretensa poupança.
Esta tendência acentuou-se no anterior
Governo, teve continuidade no atual e está também prevista no Orçamento de
Estado para o próximo ano.
Armindo Gonçalves, diretor
técnico do Laclibe, denunciou a situação dramática, de iminente falência, que
atravessam todos os laboratórios privados no distrito de Beja. Tudo porque,
desde 2011, os dois centros de saúde de Beja passaram a prescrever pedidos de
análises através de requisições que não são válidas nos convencionados, sendo
realizadas na totalidade pelos laboratórios do centro de saúde e do Hospital
José Joaquim Fernandes.
Como resultado, a faturação do
laboratório desceu cerca de 45%, ficando praticamente dependente da atividade
dos postos de colheita situados fora da cidade. Cinco anos depois, “nova
investida” da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo que decretou a recolha
das amostras biológicas em todos os centros de saúde da zona até ao laboratório
do hospital (a 60 quilómetros).
Como consequência, também os postos
de colheita do laboratório deixaram de ser viáveis, pondo em causa o futuro da
unidade, cujo diretor teve de dispensar, entretanto 23 funcionários.
A situação que atravessa o
Laclibe é transversal a várias outras pequenas e médias unidades.
A Ordem entende que está por
provar vantagem da internalização do meios complementares de diagnóstico, pois nenhum
Executivo apresentou dados sobre os custos de produção de análises realizadas no
SNS.
Pelo contrário, no caso do setor
convencionado, o Ministério da Saúde sabe exatamente, praticamente em tempo
real – através do Centro de Conferência de Faturas da Maia –, quem prescreveu,
a que doente, quanto custou e que laboratório executou a análise. Um sistema
perfeitamente controlado que, no ano passado, custou ao Estado cerca de 170
milhões de euros (cerca de 2% do orçamento da Saúde).
Independentemente dos estudos que
possam vir à luz, a OF, alinhada com o seu Colégio Especialidade, reafirmou o
compromisso de promover uma discussão séria sobre este tema, e a realização,
em 2018, de uma avaliação que, de forma competente, ajude a compreender a
situação e a encontrar saídas que, sem perder de vista a sustentabilidade do
SNS, não descurem a viabilidade dos laboratórios privados.
De forma consensual, os deputados
dos três partidos destacaram a importância do estudo que a OF pretende desenvolver
no próximo ano, manifestando total interesse em conhecer os resultados, como
suporte a qualquer posição que venham a assumir sobre o assunto.