Ordem esclarece dispensa de MSRM sem prescrição médica e avaliação do historial clínico do utente – Notícias


A Ordem dos Farmacêuticos foi confrontada com um trabalho da jornalista da TVI, Márcia Sobral, que se deslocou a duas farmácias da região de Lisboa, com uma câmara oculta, para solicitar a dispensa de um medicamento com valporato, indicado para o tratamento da epilepsia, sem a correspondente prescrição médica obrigatória.

À luz da descrição efetuada na reportagem e das imagens
veiculadas pela estação de televisão, estamos perante um ato farmacêutico
negligente, em que não foram cumpridos vários procedimentos determinados pelas
autoridades reguladoras nacionais (Infarmed) e europeias (EMA).

Com a ressalva de não conhecer os exatos termos em que foi
efetuada a dispensa, a Ordem dos Farmacêuticos não pode deixar de criticar,
mesmo que publicamente, a atuação de farmacêuticos que não cumprem deliberações
das autoridades reguladoras relativos a determinados medicamentos com perfis de
segurança apertados.

Mais, a Ordem dos Farmacêuticos desafiou a equipa de
reportagem a enviar uma participação para poder acionar os mecanismos
jurisdicionais e assim avaliar a prática profissional destes colegas. Não serão
as imagens de câmaras ocultas a julgar a atuação dos profissionais, mas uma
apreciação séria, isenta, com auscultação das partes e uma decisão em
conformidade com as melhores práticas nacionais e internacionais neste domínio.

Dito isto, importa ainda acrescentar que, em termos gerais,
a inexistência de uma prescrição médica válida impede a dispensa de MSRM. No
entanto, a lei admite a dispensa excecional, sem a apresentação da respetiva
receita, em casos de força maior devidamente justificados.

Embora não seja possível tipificar uma lista de situações
onde a dispensa de exceção esteja justificada, vislumbram-se alguns motivos de
força maior que justificam a dispensa destes fármacos: nos casos em que o
utente se apresente na farmácia com um cenário de emergência ou urgência, de
diagnóstico identificável, não sendo possível deslocar-se, em tempo útil, a
local onde possa obter a prescrição para o medicamento que necessita; ou nos
casos em que o utente utilize determinada medicação de forma crónica, de que já
não dispõe, e não possa obter uma prescrição médica em tempo útil para evitar
riscos sérios para a sua saúde, nomeadamente para a sua vida.

São casos paradigmáticos desta realidade a dispensa de
medicamentos para evitar episódios agudos do foro respiratório, cardiovascular
e do sistema nervoso. Porém, essas dispensas de exceção devem ter em
consideração o perfil do utente (nomeadamente o histórico de dispensas
anteriores) e a existência de um prejuízo potencial de elevada probabilidade
pelo decurso do tempo.

Ainda assim, o farmacêutico deve ter em consideração outros
elementos determinantes nesta avaliação. Desde logo se há uma ausência total da
receita médica ou se, existindo, tem alguma incorreção que obste a dispensa e
fundamentalmente os aspetos relacionados com a segurança do próprio fármaco: as
suas indicações terapêuticas, a forma farmacêutica e via de administração, os
motivos que justificam a sua classificação como MSRM ou os efeitos adversos,
contraindicações, advertências e precauções especiais enunciadas no resumo das
características do medicamento.

No caso em apreço, também os preceitos da renovação da terapêutica
prevista na lei não dispensavam assim mesmo a informação sobre contraceção e a obrigatória
entrega de cartão a doente, que faz parte do programa de prevenção da gravidez
devido aos riscos de teratogenicidade dos valproatos.

Em qualquer dos casos, a dispensa de MSRM sem receita médica
válida deve ser realizada em termos conservadores, devendo sempre ser
acompanhada de justificação ponderosa e passível de prova por documentos.

Mas nada justifica a dispensa de um medicamento sujeito a
monitorização adicional (identificado com o triângulo preto invertido) sem uma avaliação
do historial clínico do utente e a advertência para os riscos associados à sua
toma e/ou ao abandono do tratamento, razão pela qual a Ordem dos Farmacêuticos
aceitou o convite da TVI para participação no debate televisivo, procurando
deixar claro para todos os portugueses que a dispensa de MSRM sem a
correspondente prescrição não constitui uma ilegalidade por si só, mas requer
cuidados e atenção redobrada para garantir o seu uso seguro e responsável.

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