A Ordem dos Farmacêuticos (OF) acompanha com atenção as recentes afirmações que sugerem uma relação causal entre o uso de paracetamol durante a gravidez e alterações do neurodesenvolvimento na infância. De acordo com a revisão de evidência científica publicada, efetuada pelo Centro de Informação do Medicamento da OF (CIM-OF), a Ordem reafirma que a informação atualmente disponível não sustenta esta alegada relação.
O paracetamol é um fármaco analgésico e antipirético considerado de eleição para alívio da dor e da febre durante a gravidez. A maioria dos estudos aponta para que 40-65% das mulheres tomem paracetamol em alguma altura da gravidez.
A associação entre a ocorrência de alterações do neurodesenvolvimento, nomeadamente transtorno de hiperatividade e défice de atenção (THDA) e perturbações do espetro do autismo (PEA), como consequência do uso de paracetamol no decurso da gravidez tem vindo a ser investigada desde há largos anos, com resultados inconsistentes. Alguns estudos têm apontado para a existência de uma maior incidência de THDA e PEA em filhos de mulheres que utilizaram paracetamol durante a gravidez, enquanto vários outros não o confirmam.
A existência de uma relação causal entre o uso de paracetamol durante a gravidez e a ocorrência de alterações do neurodesenvolvimento nas crianças expostas foi recentemente anunciada, tendo por base estudos que supostamente sustentam esta afirmação. Porém, estes trabalhos não aportam evidência científica que proporcione suporte a esta alegação.
Os estudos citados são maioritariamente de pequena dimensão, apresentando assinaláveis limitações metodológicas no seu desenho e nas conclusões formuladas com base nos dados recolhidos. Adicionalmente, não consideram adequadamente a presença de outros fatores que podem influenciar o risco de TADH e PEA, como fatores genéticos, ambientais, condição clínica materna, entre outros. Por outro lado, os próprios autores da recente revisão sistemática que é citada referem que a sua análise apresenta limitações que não permitem estabelecer uma relação causal entre o uso de paracetamol durante a gravidez e alterações do neurodesenvolvimento.
O estudo de maior dimensão realizado sobre esta questão, que analisou uma população de cerca de 2,5 milhões de crianças e recolheu dados de quase 186 000 que foram expostas ao paracetamol durante a gestação, não encontrou evidência de risco aumentado quando, além da exposição ao fármaco, foram considerados fatores genéticos e ambientais, através da comparação com irmãos que não haviam sido expostos ao paracetamol no período pré-natal.
A análise da evidência atual permite concluir que é improvável que a exposição ao paracetamol durante a gestação se associe a um risco clinicamente significativo de desenvolver THDA ou PEA durante a infância. Os estudos que sugerem a existência desta associação são heterogéneos e apresentam importantes limitações metodológicas, enquanto os que têm uma estrutura adequada não o comprovam.
Com base na análise dos dados atualmente existentes, não existe qualquer fundamento científico para alterar as normas de prática clínica de tratamento da dor e da febre durante a gravidez. O paracetamol mantém-se uma opção de tratamento essencial em mulheres grávidas, observando o princípio da utilização da menor dose eficaz pelo período mais curto.
Consulte aqui a nota técnica completa elaborada pelo Centro de Informação do Medicamento