O Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa (TACL) considerou “totalmente improcedente” a ação movida pela Ordem dos Enfermeiros (OE) para impedir a administração de vacinas por farmacêuticos em farmácias comunitárias. O processo arrasta-se na Justiça desde 2010 e tem constituído um ponto de divergência entre as duas profissões ao longo de mais de uma década. O tribunal vem agora afirmar que o processo assume contornos de “questão corporativa”, dado que “a vacinação em farmácias decorre sem registo de casos graves de reações adversas ocorridas em contexto de vacinação em farmácias, por farmacêuticos, desde há 14 anos”.
O processo instaurado pela OE contra o Infarmed e 32
farmácias comunitárias requeria o “fim da prestação de serviços de administração
de vacinas por intermédio de profissionais desprovidos de habilitação legal
[…], como sejam os farmacêuticos e também os técnicos de farmácia”,
solicitando também a intervenção da autoridade reguladora para “pôr termo à
prática ilícita”.
As primeiras audiências em tribunal ocorreram no final de
2010 e início de 2011, mas não foi proferida qualquer conclusão, pelo que o
presidente do TACL determinou a repetição da prova já produzida.
No início
deste ano, realizaram as audições à bastonária da OE e ao presidente do
Infarmed e demais testemunhas
envolvidas pelas partes.
A decisão do tribunal sublinha o carácter “esclarecedor” da
prova testemunhal apresentada pelas testemunhas indicadas pelos arguidos, “que
revelaram um conhecimento direto em relação à matéria à qual foram inquiridas e
responderem de forma clara e lapidar às questões que lhe foram colocadas”.
Por oposição, acrescenta o tribunal, aos testemunhos
indicados pela OE não só “não lograram corroborar as declarações da bastonária,
como também não lograram infirmar as conclusões do colégio pericial expressas
[…], emitindo, na sua essência, juízos de valor e meras opiniões não
fundamentadas, tratando-se de seis enfermeiros/as e de dois médicos, que não
prestam serviços em farmácias e não têm conhecimento direto do processo de
vacinação que ali decorre desde 2008, nem de qualquer reação adversa grave ali
ocorrida em resultado da vacinação por farmacêuticos, que não tenha tido a
resposta adequada à situação, como, aliás, o reconheceram, e cujos depoimentos,
vagos e de carácter generalizado, pouco ou nada contribuíram para o apuramento
dos factos provados”.
Os relatórios periciais concluem que “a formação necessária
para que os farmacêuticos possam administrar vacinas nas farmácias de oficina é
adequada e suficiente e que, a partir da época gripal 2008/2009, tal prática
tem decorrido com respeito pelos padrões de segurança e sem relatos de reações
adversas graves, sendo que qualquer retrocesso ou suspensão desta medida seria
prejudicial em termos de saúde pública”.
Os peritos ouvidos pelo tribunal recordaram que “a
competência em administração de vacinas e medicamentos injetáveis é assim
atribuída pela Ordem dos Farmacêuticos (OF), mediante frequência e
aproveitamento em formação de administração de vacinas e medicamentos injetivas
reconhecia pela OF e em formação de Suporte Básico de Vida”.
“Os cursos de formação são semelhantes aos que estão em
vigor noutros países, de acordo com a estrutura proposta pela Federação
Internacional Farmacêutica, que conduzem também à competência para vacinação
por farmacêuticos nesses mesmos países”, refere ainda a sentença do TACL.
O tribunal deu ainda como provado que estas formações só
podem ser frequentadas por farmacêuticos com inscrição ativa na OF. “A
competência encontra-se reconhecida e é registada pela OF. As farmácias
comunitárias que prestam o serviço devem comunicar ao Infarmed. O Infarmed, nas
suas ações de inspeção, comprova que apenas farmacêuticos habilitados procedem
à implementação do serviço. Afigura-se-nos adequada e suficiente, tendo em
conta a formação de base (pré-graduada) dos farmacêuticos, complementada com os
conteúdos programáticos constantes do documento “Reconhecimento da Formação de
Farmacêuticos: Administração de vacinas e medicamentos injetáveis em farmácia
comunitária”, que estão em vigor em vários países em todo o mundo”.
Sublinha-se ainda que a OF “mantém registo permanente e
atualizado sobre as ações de formação frequentadas por cada farmacêutico, tendo
visibilidade a qualquer momento sobre se a competência se mantém em vigor ou
não”.
Deste modo, não fica provado que a administração de vacinas
em farmácias, “por farmacêuticos com competência para tal reconhecida pela OF,
implica um risco acrescido para os utentes, no que tange a reação anafilática
ou qualquer outra reação adversa”, ao invés provou-se se uma prática
consistente e existente em diversos países, que se pretende ver alargada.
Os peritos ouvidos pelo tribunal destacam mesmo que a
administração de vacinas em farmácias é uma medida positiva no domínio da Saúde
Pública e reconhecem a sua importância, nomeadamente para o aumento da
cobertura vacinal contra a gripe sazonal.
“Não se vislumbra, pois, em face da fatalidade provadas
razão válida para que tal prática não continue, tanto mais que tem resultado
num aumento de vacinação per capita”, determina o tribunal.